terça-feira, 19 de agosto de 2008

Cultura política e desigualdade:
o caso dos conselhos municipais de Curitiba1

RESUMO
Este artigo estuda os membros dos principais conselhos gestores de políticas públicas no município de Curitiba (Conselho de Saúde, Conselho de Assistência Social, Conselho do Trabalho e Conselho da Criança e do Adolescente), no estado do Paraná. Observamos que os grupos analisados possuem, em relação à população brasileira em geral, maior quantidade de recursos de cultura política e, portanto, de incentivos ao ativismo político. Em seguida, discutimos duas questões teóricas relativas à "cultura política": primeiramente, analisamos o problema da relação de causalidade existente entre essas instituições e a cultura política dos seus membros: quanto a esse ponto, reconhecemos a importância dos efeitos institucionais sobre a cultura política dos indivíduos e, ao mesmo tempo, o papel ativo que fatores externos às instituições analisadas exercem sobre a intensidade desses efeitos. Em segundo lugar, seguindo uma direção alternativa àquela que predomina na literatura consagrada, analisamos a cultura política como um recurso desigualmente distribuído entre os grupos que compõem as instituições analisadas e que, portanto, pode ser pensada como uma das bases da desigualdade política.
Palavras-chave: democracia; cultura política; conselhos.

I. INTRODUÇÃO
Sabe-se que a primeira tentativa de formulação sistemática e aplicação do conceito de cultura política foi empreendida por Gabriel Almond e Sidney Verba, no livro The Civic Culture, lançado na década de 1960. Nessa obra os autores afirmavam que os valores, sentimentos, crenças e conhecimentos eram relevantes para explicar os padrões de comportamentos políticos adotados pelos indivíduos. O seu objetivo era, por meio de um estudo que se estendeu por cinco países (Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Alemanha e México), determinar o grau de congruência entre esse conjunto de variáveis subjetivas e o sistema político. Esse trabalho constitui-se, portanto, em uma tentativa pioneira de estabelecer um elo explicativo entre, de um lado, as atitudes e motivações subjetivas dos atores sociais e, de outro, a sua conduta política e seus efeitos sobre o funcionamento das instituições democráticas.


A proposta teórica presente no livro de Almond e Verba foi, no entanto, bastante criticada em função do seu "etnocentrismo ocidentalizante" (PATEMAN, 1989) e da sua adesão a um conceito minimalista de democracia, além de pressupor a existência de uma cultura política homogênea em cada sociedade2. Tais críticas forçaram uma reavaliação do conceito de cultura política (ALMOND & VERBA, 1989b; ALMOND, 1990) que, atualmente, passa por um revival.
Esse renascimento também estimulou a Ciência Política e a Sociologia brasileiras a produzir estudos orientados pela preocupação com a dimensão subjetiva dos fenômenos políticos. Mais especificamente, vários pesquisadores brasileiros têm-se dedicado a investigações sobre o caráter da cultura política nacional, relacionando-a à possibilidade de fortalecimento do regime democrático recentemente implantado no país, nem sempre chegando a conclusões semelhantes. Podemos identificar dois grupos de pesquisa que divergem quanto ao problema da permanência (CASTRO, 1995; CARVALHO, 1999) ou mudança (LAMOUNIER & SOUZA, 1991; Moisés, 1995) de um padrão de comportamento político orientado por valores e crenças que dificultariam a implementação de relações políticas pautadas pela horizontalidade e pela igualdade, favoráveis ao desenvolvimento democrático3.


Vale observar, porém, que, tanto nos estudos clássicos quanto naqueles desenvolvidos por pesquisadores brasileiros, há um claro predomínio de análises voltadas para grupos populacionais extremamente amplos4. Este artigo pretende seguir direção contrária no que se refere a esse ponto, isto é, estamos interessados no estudo da cultura política de um pequeno grupo. Se a nossa escolha, por um lado, afasta-nos dos temas mais abrangentes e ambiciosos presentes nos estudos de referência sobre cultura política (estabilidade, eficácia institucional, consolidação da democracia), por outro, oferece uma oportunidade para explorarmos algumas outras questões, não menos importantes, abordadas pelas teorias da cultura política e da democracia. Entre essas questões, destacamos as seguintes: 1) o problema da distribuição da cultura política como uma das dimensões da desigualdade política entre as "elites" e o "cidadão médio"; 2) a questão da desigualdade no que concerne à distribuição da cultura política mesmo no interior de um grupo de elite e 3) o tema da influência das instituições na formação da cultura política dos pequenos grupos. São essas questões que orientarão a nossa análise das instituições que se constituem no objeto de estudo do presente artigo, quais sejam, os conselhos gestores de políticas sociais do Município de Curitiba.


Embora essas questões tenham como horizonte temático a presença da desigualdade na cultura política e no engajamento cívico, a proposta do artigo é a de explorar cada uma delas de maneira autônoma nas três seções do artigo. A primeira parte, além de cumprir uma função descritiva, apresentando o perfil dos membros dos conselhos, situa esse grupo em relação ao que outras pesquisas apontam como a "cultura política brasileira". Os dados referentes à renda, escolaridade e, especialmente, ao engajamento cívico e à cultura política revelam serem os conselheiros uma elite, com características bem distintas daquelas que constituem a cultura política brasileira.


Na segunda parte, o artigo discute a distribuição da cultura política e do engajamento cívico entre os membros dos conselhos analisados. Sugerimos que essa distribuição pode ser pensada como um dos fatores que definem a desigualdade política entre os grupos, analisada em termos do acesso diferenciado a dois tipos de recursos: 1) o ativismo político (filiação partidária, associativismo e engajamento eleitoral) e 2) as orientações subjetivas (competência política subjetiva e interesse por política).


Na última seção, tratamos da relação entre instituições e cultura política. Procuramos saber se a experiência de participar dos conselhos estimulou, de alguma forma, o aumento do interesse por política. Além disso, consideramos também como outras experiências institucionais (em especial a associativa) afetam o interesse dos conselheiros por política.

Para ler mais acesse:

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-44782003000200009&script=sci_arttext&tlng=es




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